O fenômeno obsessivo-compulsivo

AUTOR: Julio Cesar Menendez Acurio

MEDICO PSIQUIATRA 

Medico Assistente do Centro de Atenção Integrada à Saúde Mental Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. 

INTRODUÇÃO 

A tarefa é nos aproximar do fenômeno obsessivo compulsivo desde uma perspectiva fenomenológica, quer dizer, sem uma teoria previa e sem procurar relações causais. A indagação é pela essência do fenômeno obsessivo. Neste contexto nos ocuparemos brevemente das definições operativas dos sintomas, para posteriormente, com exemplos clínicos, discutir as transformações de mundo do obsessivo. 

O transtorno Obsessivo-compulsivo (TOC) é um quadro, com manifestações clínicas extremamente heterogêneas e, ao mesmo tempo, muito semelhantes em diferentes culturas, assim ao longo da história. Muitas vezes secreto envolve medos excessivos, dúvidas, insolúveis e comportamentos irracionais repetidos incontáveis vezes na busca de um alivio, sempre fugaz. (Hetem, 2012). 

Enquanto no DSM V categoriza o TOC separadamente, a CID-10, o localiza sob a rubrica dos “transtornos neuróticos, relacionados ao estresse e somatoformes”. Conceitualmente, no tempo em que a CID-10 mantém a distinção tradicional que considera as obsessões eventos mentais e as compulsões, comportamentos observáveis, o DSM-IV-TR enfatizava não a expressão dos sintomas, mas sua função. (Torres, 2012) Assim obsessões seriam pensamentos, impulsos ou imagens mentais recorrentes, invasivos e desagradáveis, reconhecidos como próprios, que causam ansiedade ou mal-estar, tomam tempo e interferem negativamente no funcionamento. Já as compulsões são comportamentos ou atos mentais repetitivos, que o individuo é levado a executar voluntariamente em resposta a uma obsessão ou de acordo com regras rígidas, para neutralizar/reduzir a ansiedade e o desconforto, ou prevenir –de forma excessiva e não realística- algum evento temido. 

Comparados aos demais transtornos “neuróticos”, os sintomas do TOC têm maior interferência nas atividades laborais e sociais, assim como na qualidade de vida dos portadores. O risco de suicídio no TOC também parece ser maior do que se supunha até poucos anos atrás e merece consideração. Portanto, os custos de uma doença mental vão muito além do uso de serviços de saúde (gerais e especializados) e são de difícil mensuração. (Kanapp, 2002) 

A TAREFA COMPREENSIVA 

Compreender constitui-se como ato fundamental na função de cuidar, considerada uma conduta básica metodicamente consciente segundo as ciências do espírito, dito conceito tem sido assunto central em indagações psicopatológicas. Na compreensão empática inerente à atitude natural tentarmos captar relações causais, e é aqui que os sintomas obsessivos constituem-se ininteligíveis. 

Jaspers desenvolve esta ideia tendo em conta uma pergunta atual: como é possível a intersubjetividade, como possível entendermos a vida interior uns dos outros, na sua complexidade e subtileza, na sua gênese, na sua diferença e também na sua patologia, seja ela comunicada ou não, como se muito tivesse 

de ser adivinhado, porque encoberto. É neste caminho que ele chega à noção de compreensão, ou “intuição do psíquico adquirida pelo interior do psíquico” (Jaspers, 1959) 

Para compreender é necessário co-experienciar atualizar as vivências do outro dentro de nós, na nossa interioridade. Existem limites para a compreensão, já que nem todas as vivências, em particular as mais patológicas, se podem atualizar dentro de nós. Neste caso há que fazer um esforço de comparação com as nossas próprias experiências, ou aumentando a intensidade (imaginar uma dor que já sentimos, mas em muito maior grau) ou diminuindo-a (imaginar uma percepção que, para nós é clara, mas que para o doente é esbatida e sem cor) (Pio Abreu, 2009). 

É importante ressaltar a distinção rigorosa que podemos fazer entre explicar e compreender, pois a explicação, numa concepção racionalista, quer dar conta das causas dos fenômenos (conhecer o seu “porque”), adequando-os aos efeitos; em quanto à compreensão, numa concepção fenomenológica, quer dar conta de entender interpretando os sentidos e significações dos fenômenos (conhecer “como”), captando as relações entre eles. 

Em quanto à explicação constitui um modo de conhecimento analítico e discursivo, procedendo por decomposições e reconstrução de conceitos, a compreensão é um modo de conhecimento de ordem intuitiva e sintética: uma procura determinar as condições de um fenômeno, a outra leva o sujeito cognoscente a identificar-se com as investigações intencionais (Japiassu e Marcondes, 1996). 

Na tradição encontramos a primeira descrição de um obsessivo realizada por Esquirol (1838) descrita como délire du toucher , ressalta duas caraterísticas: a continua luta contra conteúdos próprios da consciência e a natureza desses conteúdos considerada como absurda. Posteriormente Whetsphal (1877) explica o fenômeno como imagens no primeiro plano da consciência (em indivíduos com inteligência normal e sem estados emocionalmente afetados) que se apresentam contra a vontade da pessoa e que não podem ser eliminados interferindo assim com outros conteúdos da consciência. 

Já na tradição alemã Kurt Schneider (1956) numa linguajem descomplicada atinge o núcleo do transtorno, “Obsessão é quando alguém não pode reprimir conteúdos da consciência embora sejam julgados como sem sentido e dominados pela sem razão”(tradução livre). 

Outras definições tem sido pouco especificas, o fenômeno obsessivo já foi apontado como alucinações obsessivas, emoções obsessivas e afetos obsessivos, inclusive Kraepelin (1896) incluiu delírio e catatonia como fenômenos obsessivos, assim como Bleuler (1911) incluiu o TOC dentro do grupo das esquizofrenias. 

Os sistemas de classificação diagnostica ganham em confiança mas perdem em precisão, o DSM-V e a CID-10 situam pensamentos obsessivos e atos compulsivos em um mesmo nível diagnostico, na codificação americana o transtorno obsessivo-compulsivo ganhou agrupação nosologica especifica, na classificação precedente foi considerado entre os transtornos ansiosos. Fenomenologicamente iremos 

observar que as obsessões precedem os atos compulsivos e ansiedade representa um efeito secundário a pensamentos obsessivos. 

COMPRENSSÂO FENOMENOLOGICA DA OBSESSAO 

Seguindo o método fenomenológico de Jaspers o pensamento obsessivo e o ato compulsivo, irão ser descritos como fenômeno primário e fenômeno secundário. Sendo o estudo da obsessão o sintoma chave para a compreensão do TOC. 

Jaspers (in Bürgy, 2005) analisou a estrutura da consciência e a classificou de acordo com o grau de diferenciação do fenômeno: 

1. Intimidade da experiência (as experiências próprias do eu e o objeto são inseparáveis) 

2. Consciência objetiva (a experiência separada do objeto) 

3. Autorreflexão (o eu como objeto de observação) 

A reflexividade se anuncia aqui como transição para modificar a experiência imediata. Desta forma interrompe o fluxo normal do acontecer vital abrindo para duas possibilidades, primeiramente para uma nova forma de representar-se. e no outro polo para fenômenos psicopatológicos espúrios como o fenômeno histérico, o descarrilamento de instintos (presente nos fenômenos dissociativos e somatoformes) e o fenômeno obsessivo. 

Na explanação de Jaspers “O eu vive em harmonia com as percepções que são dadas em determinado ponto do tempo, na experiência da ansiedade o eu escolhe o objeto e coloca esse no centro dos afetos. Se o eu não consegue mais controlar essa escolha, se ele não decide por ele mesmo qual objeto vai identificar como conteúdo próprio da consciência, o teor da consciência continua a ser conteúdo de um dado momento mesmo contra a vontade do eu, então o eu enfrenta este conteúdo e ao não ser suprimido adquire o caráter de obsessão”. 

Neste ponto somos obrigados a definir o fenômeno obsessivo em relação à consciência, num sentido amplo as obsessões seriam conteúdos que o eu não pode suprimir ou não pode deixa-los de lado, até aqui obsessão não pode ser separada das ideias sobre valoradas e os delírios. Num sentido estrito, obsessão seria quando o eu toma postura sobre estes pensamentos e os considera estranhos e incompreensíveis e se defende deles. 

Na tradição Loewenfeld, Störring, Schneider concordam em diferenciar a obsessão primaria e obsessão secundaria, num primeiro passo o conteúdo da consciência forçar-se-ia sobre o eu e num segundo passo o eu teria uma postura de reação, ele se defenderia. 

Binder (in Bürgy, 2005) apropriadamente denomina a obsessão de alteração psíquica (primaria), reforçando a ideia do surgimento, no fluxo da consciência, de conteúdos estranhos, sem sentido, 

perturbadores e assustadores. A compulsão (obsessão secundaria) chamaria de defesa psíquica, tentativas de proteção do eu para reduzir a ansiedade da primeira. 

Schneider englobou as ideias, sentimentos, imagens como pensamentos obsessivos, seguindo esta tradição o DSM manteve dita denominação. Compulsão seria definida como uma reação ao pensamento obsessivo, como processo de defesa secundário. Esta posição seria defendida por Schneider e mantida no DSM, mas traz uma duvida, todos os atos compulsivos serão derivados de experiências obsessivas? 

Os atos compulsivos exprimem proximidade temporal com os impulsos, por exemplo, os impulsos que surgem abruptamente nas psicoses como atirar-se na frente de um carro ou saltar de uma ponte, pudendo ser realizados no mesmo momento do seu surgimento. 

A continuação iremos exemplificar esta discussão com dois casos clínicos, nos quais a ênfase no relato foi dada aos atos compulsivos, produzindo um ocultamento do fenômeno primário; nosso objetivo é atingir o acontecimento originário. Só uma investigação do fenômeno primário pode mostrar a essência obsessiva por trás das manifestações compulsivas. 

RELATO DE CASO A dissolução de Alberto (*)- 

Alberto de. 30 anos de idade, traz queixa de obsessões desde os 14 anos, diz que seus pais nunca o deixaram jogar futebol, e por este fato começou a odiar a mãe. Ele no vestia mais as roupas lavadas por ela por medo de que possam ter sido infectadas assim começou a ele mesmo lavar suas roupas e desinfetá-las. Gradualmente o medo de pegar uma infecção estendeu-se para seus parentes, vizinhos e posteriormente para qualquer pessoa da cidade. Desde os 20 anos ele tem-se mudado de casa, cada vez com frequência maior por não se sentir seguro em lugar nenhum. Alberto começou a morar no carro, verifica varias vezes a porta do carro para ter certeza que ninguém da família possa ter entrado no carro e contaminá-lo e assim infectar ele. “A tensão e o medo é tão grande que ele poderia matar qualquer possível intruso”, diz. 

Por momentos dizia-se livre dos pensamentos e voltava para casa dos pais, devido a estar com animo deprimido. Depois disso o medo voltava e ele saia de casa. Com 27 anos iniciou terapia psicanalítica durante alguns meses, mas não foi efetiva, ele declarava-se incapaz de superar o medo e ódio de conseguir mudar de comportamento. 

Em entrevistas posteriores Alberto. foi questionado sobre como poderia ser infectado, ele não respondeu esta pergunta, mas de forma estereotipada insistia em seu medo de ser infectado. Quando indagado sobre possíveis consequências de uma infecção, ele hesitando descreve uma forma difusa de “medo de ser dissolvido em si mesmo” Esta convicção parece ser realista para ele e não precisa de sustentação. Medo e angustia são evidenciados quando este tópico é levantado e eles parecem bloquear a comunicação verbal. 

(*) Nome fictício

Três meses depois M. diz se sentir perseguido pela policia militar, acredita que uma comunicação sobre ele foi realizada pelo radio. Ele passa a ouvir a voz do diabo, para de comer e beber e começa a ficar cada 

vez mais enfermo momento no qual e internado em enfermaria psiquiátrica devido a quadro catatônico na admissão. 

Numa primeira aproximação evidenciamos que o paciente exibe atos compulsivos de lavar e checar, ele tem medo de se infectar sem ser capaz de identificar a substância infecciosa. Uma cuidadosa observação fenomenológica da experiência interior nos revela que os atos compulsivos são expressão da assustadora ideia de auto-dissolução. Para ele a experiência primaria não é carente de significado, estranha ou incompreensível. Por tanto os atos compulsivos não são resultado de ideias obsessivas, mas sim de ideias delirantes que posteriormente adoptam as caraterísticas de uma síndrome paranoide alucinatória. 

Delírio e distúrbios do eu podem produzir atos compulsivos. Só observar o comportamento pode ser enganador por que esconde experiências primariamente psicóticas. Enquanto na visão fenomenológica podemos dizer que os pensamentos obsessivos se percebem emergindo do fluxo natural da consciência e a vontade só pode escolher entre esforçar-se em reprimir ou liberar estas imagens ou contra-imagens, entre liberar e dificultar. 

Os pensamentos obsessivos podem ser vistos de duas perspectivas diferentes, na primeira eles se destacam excessivamente do fluxo da consciência, na outra o eu é insuficiente em combate-los para esclarecer de melhor maneira esta segunda perspectiva se fazem necessárias algumas palavras sobre a interação de personalidade, repertorio afetivo e situação liberadora. 

PERSONALIDADE, AFETIVIDADE E SITUAÇÃO. 

É harto conhecida a relação entre o estilo de personalidade e a manifestação de pensamentos obsessivos. Dentre as descrições clássicas ressaltamos o Tipo Sensitivo de Kretschmer (1931) descrito como perceptivo e impressionável, contido, esconde uma grande tensão, tem o desejo permanente de auto afirmar-se , inseguro de si. Outro dos autores Schneider (1950) caracteriza o Anascastico, como portador de um profundo sentimento de insegurança, habitando um cativeiro interno, tímido tudo isso emascarado pela autoconfiança, escrúpulos e sentimentos de insuficiência duvidas que terminam em desespero, com medidas compensatórias de precaução e proteção, exageradamente limpo e sisudo, falta de desejos e culpa permanente. Confiança só existe na forma de ambição moral. 

Anteriormente havíamos ressaltado o valor que Jaspers encontra na reflexividade como precondição, encontramos esta caraterística exacerbada nos inseguros, que permanentemente fazem uma reflexão consciente de nossa própria insuficiência. 

Bronish (in Bürgy, 2005) atualiza as caraterísticas estudadas e define este estilo como temeroso, magoado facilmente pela critica e a rejeição, exagera os problemas potenciais, permanentemente preocupado e 

tenso, sentimentos de desamparo e dependência, muito consciencioso e inflexível mostra agressão passiva. Com estas caraterísticas de personalidade o elemento dominante é a tensão apreensiva. 

Em relação ao fenômeno obsessivo e seu contexto afetivo sobressai a leitura de V. Gebsattel quando descreve o fenômeno obsessivo como um traço estranho na experiência normal, que se destaca como evento isolado e traz interrupções no fluxo das emoções e do experienciar, a continuidade da vida e da experiência própria é perdida. Neste ponto a compreensão antropológica se aproxima da comportamental identificando afetos não diferenciados como matriz do transtorno obsessivo-compulsivo. A relação estreita entre conteúdo e percepção afetiva é gradualmente perdida. Se o transtorno persistir pensamentos e os atos compulsivos tornam-se rígidos, estereotipados e destacam-se do afeto. 

O estilo apreensivo e inseguro profundamente enraizado na personalidade, no qual os afetos aparecem escassamente diferenciados, e em situações com afetos contraditórios como raiva, tristeza, medo de ser abandonado, desespero, solidão e desgosto a consciência adoptaria uma postura reflexiva, estabelecendo distancia do eu e a vida afetiva, ao mesmo tempo em que uma reduzida capacidade de perceber os afetos, de diferencia-los e verbaliza-los trazendo sentimentos de impotência e desamparo e em situações que o eu não sabe integrar e contextualizar estas vivencias poderia se constituir uma ‘situação liberadora’ (Bürgy, 2005) de pensamentos obsessivos. 

RELATO DE CASO – A contaminação de Sofia (*) 

Sofia.de 26 anos conta que seu pai sempre foi rígido e egoísta, descontente com sua própria vida, sempre foi indiferente a família. A mãe uma mulher estrita e organizada, sempre trabalhou muito, estava constantemente impaciente e reagia com irritação. Sofia. tentou sem êxito ganhar o coração dos pais, sempre manteve o medo e a insegurança. Na infância ela era isolada, na escola nunca entendiam o que ela tinha para disser, ela foi muitas vezes incomodada até perder a paciência. Quando Sofia tinha 16 anos, a assustaram dizendo que iriam publicar fatos constrangedores dela no jornal da escola. Ela correu para casa sentindo-se muito furiosa com raiva e desesperada esperou para conversar com a mãe, mas esta foi irônica e respondeu com irritação como usualmente o fazia. Agora Sofia estava muito furiosa com a mãe começou a vivenciar imagens dela estrangulando e esfaqueando a mãe. Ela imaginou que o ferro de passar iria a explodir. Acidentalmente a mãe de Sofia esqueceu a ferro ligado e o apartamento quase pegou fogo. Sofia. não podia parar de pensar que havia sido culpa dela e sentia muito medo de que possa perder a mãe. Os pensamentos focaram em que os aparelhos eletrônicos poderiam pegar fogo e explodir e ela não poderia mais se livrar disso, então ela começou a verificar tudo. Sofia começou a ficar cada vez mais insegura e pensar que alguém poderia invadir a casa e que ela poderia trazer uma bactéria para dentro de casa em suas mãos e infectar a família. Ela começou a checar incessantemente as portas e lavar a mão. Ela sempre teve duvidas sobre o sucesso das suas ações. Ela sabia que seus pensamentos eram sem sentido, mas não era capaz de parar por medo, a pratica só era interrompida quando Sofia esgotava-se fisicamente. 

(*) Nome fictício 

Ela perguntava a seus pais e a irmã se o fogão estava corretamente desligado, se a porta estava perfeitamente trancada e se suas mãos estavam impecavelmente limpas. As respostas inicialmente deixavam sua mente em paz, mas as duvidas não pararam. Insistir nestas questões levou a conflitos na família. 

Numa analise da biografia a relação com os pais deixou profundos sentimentos de insegurança, ela era incapaz de assumir e diferenciar sentimentos, a relação com os pais era ambivalente entre amor e furiosa rejeição, nela emergem sentimentos que não pode enfrentar e a mãe não é competente para acalma-la. Sofia não consegue criar uma distancia reflexiva entre ela e a situação. Ela não consegue distinguir entre suas fantasias de raiva e o fato externo do ferro ter pegado fogo. Os pensamentos magico obsessivos cegam esta confusão. Mediante os atos compulsivos tenta afastar os pensamentos obsessivos de prejudicar sua mãe e reduz a tensão afetiva, as perguntas dirigidas a família servem para o mesmo proposito. 

Nesta segunda situação clinica vem para nós transformações de mundo que irão ser esclarecidas na luz das categorias próprias e inerentes a todo fenômeno humano, como é o caso da espacialidade e da temporalidade. 

ESPACIALIDADE E TEMPORALIDADE DO FENOMENO OBSESSIVO. 

Primeiramente iremos nos debruçar na categoria da espacialidade, nesta tentativa de compreensão da vivencia espacial do fenômeno da obsessividade, retomamos a descrição de Dörr (2000) em relação a angustia na experiência fóbica que ressalta como traço universal do espaço angustioso a “opressão”, e destaca a origem etimológica da palavra angustia: estreitamento, opressão, asfixia. 

É evidente como nas fobias o espaço se estreita e os objetos vem para cima do paciente. O objeto fóbico se desprende do contexto de outros objetos do mundo e captura a atenção do paciente ate o grau de ameaçar sua própria identidade. Na obsessão, onde a angustia ocupa um papel importante, também o espaço se torna estreito, opressor e invasor, mas de forma bastante mais complexa que no caso das fobias. Primeiramente aqui não se trata de um objeto (avião, animal, rua) isolado, como nas fobias, mas de um conjunto de objetos vinculados entre si por um significado comum e que passam por um processo de emancipação do resto de objetos do mundo, capturando toda atenção do paciente até o ponto de paralisá-lo. Um outro aspecto é o significado comum que se anuncia através deste conjunto de objetos não é qualquer, muito pelo contrario eles estão limitados a temas bastante precisos (Gebsattel, 1954 ; Strauss, 1960) sendo estes a sujeira, a desorganização, a decomposição e os temas relacionados como por exemplo a putrefacção, o impuro, e o caos. No caso da paciente Sofia. o tema que anuncia nas suas obsessões é o da sujeira e o pavor de contaminação expressando-se nos rituais de limpeza e de constante verificação. 

Que podemos observar em relação à paciente Sofia e aos objetos que a rodeiam? Lembrando o que Sartre (1934) diz “Percebemos uma coisa como real é coloca-la no seu lugar entre outras coisas” (livre). O 

paciente obsessivo pelo contrario, não percebe o campo de inter-relações à que pertence na realidade o objeto que ocupa sua atenção e assim na paciente Sofia o ferro de passar ou a maçaneta da porta não deveriam ter sentido em se mesmos, ao contrario estes objetos somente existem no uso que deles fazemos cotidianamente. Mas estes objetos se emancipam do restante de objetos e crescem invadindo o espaço vital oprimindo de Sofia. Este seu modo de relacionar-se com os objetos representa simultaneamente uma peculiar deformação de uma particularidade essencial que segundo Heidegger caracteriza a espacialidade humana: o des-distanciar (Ent-fermen)(Dorr, 2000) quer dizer essa natural tendência do homem de reduzir distancias, conhecer as coisas e familiarizar-se com elas. No obsessivo os objetos que capturam sua atenção e que como vimos estreitam seu espaço, irão se tornar desconhecidos e de alguma forma todo-poderosos. 

Sobre a temporalidade na paciente Sofia. podemos observar que ela repete uma e outra vez o ato de verificar e limpar o qual só termina por esgotamento físico ou por intervenção enérgica de familiares. Janet (in Dorr, 2000) afirmava que uno dois elementos essenciais do neurótico obsessivo era sua incapacidade para realizar a “action de terminaison”, o ato de concluir. Todo ato humano deve ser terminado, abolido, para dar inicio a outro. Isto vale, também, para as distintas etapas da vida, assim para ser adolescente temos que deixar de ser criança, para ser adulto temos que deixar de ser jovem e para poder ser ancião temos que deixar de ser adulto, etc. O assumir uma nova tarefa implica deixar a anterior no passado, o dito de outra maneira, ser homem significa estar sempre antecipando o futuro, deixando atrás o passado. O tempo na vida humana é como víamos lineal e ascendente; no obsessivo encontramos um tempo que não progride um tempo circular e de certa forma sem fim. Sofia. tem que verificar uma e outra vez suas mãos e outros objetos para ter certeza da limpeza desses, mesmo sabendo que estes estão limpos. Isto por que não se trata de um problema de conhecimento, trata-se contrariamente, de uma profunda alteração da temporalidade, em sentido de uma detenção da temporalidade imanente, a qual Von Gebsattel chama de Werdenshemmung, quer dizer a inibição do chegar-a-ser. Todo chegar-a-ser tem como meta a realização da figura vital, essa especial síntese do individual e o geral no Eidos. Essa não realização do Eidos leva a uma mudança na direção do chegar-a-ser para o Anti-Eidos o sem forma. Possíveis apresentações do Anti-Eidos são a sujeira, a sordidez, a putrefação, o pecaminoso, e outras temáticas do sem forma. 

No mundo do obsessivo há desaparecido não só a esperança (o futuro) como a fé (passado). Um mundo no qual não há certezas (fé vinda desde o já passado) nem plenitude ( consumação o realização no presente do que se espera no futuro) e cujo único destino é a repetição. Essa é a razão pela qual a paciente Sofia. parece que houvesse esquecido que alguns minutos antes já comprovou que todo estava limpo e asseado, e fosse para o futuro sem outra expectativa da que evitar uma angustia maior. O fluxo do tempo fica substituído pela supremacia do ato voluntario da repetição, pontualidades no presente quebrando com a fluente transição do passado para o futuro. 

APROXIMAÇAO PSICOTERAPICA. 

Uma ressalva inicial, consideramos fundamental para qualquer intervenção psicoterápica, a claridade diagnostica do fenômeno a ser abordado. As obsessões e os atos compulsivos não tem o mesmo nível diagnostico. Como vimos, as compulsões podem ser decorrentes de experiências primariamente psicóticas. 

É mister observar o fenômeno primário por trás dos atos compulsivos, pensamentos obsessivos seriam o sintoma chave, o método antropológico e a analítica existencial partem da premissa de que o ser adoecido representa uma forma particular de configuração de estar-no-mundo. A estrutura de suas reações, vivencias, pensamentos e ações formam um todo ao uníssono com um projeto de mundo correspondente a este vivenciar alterado. Deste modo se presenta a tarefa de iluminar o mundo, que, em comparação com o acontecer sadio, está transformado radicalmente em seus caracteres fisionômicos como um antimundo repleto de potencias anticonfigurativas (sujeira, a sordidez, a putrefação, o pecaminoso), assim como também captar o surgimento deste cenário como consequência da atitude anticonfigurativa do obsessivo na qual se manifesta sua dificuldade de formação, quer dizer, a transformação de sua vida temporal e a luta impotente contra suas amarras. 

Uma adequada exploração transmite ao a paciente a sensação de terapia competente, gerando confiança e esperança numa situação de insegurança afetiva e caos emocional. Os atos compulsivos visam reduzir a angustia associada aos pensamentos obsessivos e geralmente são acompanhados do desejo de ser acalmado por outros inclusive o terapeuta. É na experiência interpessoal que o obsessivo pode revigorar sua temporalidade como nos avisa Messas (2010) “no comercio com o outro, o si-mesmo desprega-se da sua situação e vê-se lançado nas potencias da expansão”. 

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